Raimundo Narciso
Lisboa, 2018-01-16
Os únicos lugares de convívio para homens eram as tabernas onde se bebia vinho. Os homens da nossa família não eram frequentadores das tabernas. O meu pai, Manuel, frequentava uma tertúlia, três ou quatro amigos, que se reuniam à noite a conversar na farmácia com o dono seu amigo.
As mulheres ocupavam-se da vida doméstica e frequentavam a igreja, muitas delas uma, duas ou três vezes ao dia.
Linha de raparigas, Vilar, cerca de 1956. Da esquerda à direita: 4. Maria do Carmo (Micá); 7. Teresa Nobre Santos; 8. Helena Maria Narciso. |
Além destes passeios, e dos encontros à saída da missa, havia no verão, no largo maior da aldeia, os bailes por ocasião das festas religiosas anuais do Vilar e das aldeias próximas. Uma orquestra tocava num coreto, umas valsas, uns tangos, uns "viras", umas músicas "slows" e os jovens e os menos jovens dançavam ou assistiam.
Raimundo 1º esquerda, irmã Helena ao centro |
Olhares trocados, umas poucas palavras trocadas, uma ou outra dança, bem agarradinhos, no baile da festa religiosa e estava o caminho aberto para o namoro. Então o candidato ao amor da jovem virgem dirigia-se ao pai da rapariga e "pedia-lhe a sua mão". O pai avaliava a situação, se o rapaz convinha ou não para marido da filha, se tinha terras ou não e, se dava o consentimento, começava o namoro a sério. À janela. A rapariga à janela de sua casa e o rapaz na rua. Passado um tempo de ava-liação e se o caminho andado prenunciava casamento então o namoro podia continuar à porta. A rapariga do lado de dentro da porta e o rapaz da parte de fora e, dentro de casa, afastada, numa cadeira deveria estar a mãe da jovem a vigiar a tentação do pecado, assegurando o bom comportamento dos namorados.
15 ou 20 anos depois tudo isto tinha mudado.
As vindimas, a colheita da uva, para ser transformada em vinho, nos vários lagares da aldeia, que ocorriam em Setembro e Outubro, constituíam o momento de maior labor, agitação e alteração da rotina. Acorriam à terra muitos assalariados agrícolas vindos das regiões mais pobres do país para a grande azáfama das vindimas. Viviam pobremente, em locais impróprios, facultados pelos proprietários das vinhas que os empregavam durante este período.
O relacionamento de Manuel era bom com todos os irmãos. O maior e mais estreito era entre Manuel e a irmã Maria da Cruz, que se visitavam com frequência. Ela morava a 10 kms a norte do Vilar, na Ermejeira, e passava de vez em quando um ou dois dias em nossa casa. De Inverno, ao serão, em volta da braseira, contava-nos a mim e a minha irmã histórias de encantar, histórias do Vilar da sua juventude. Outro relacionamento muito frequente havia entre Manuel e o seu irmão Francisco e os seus sobrinhos Diniz e Francisco e suas sobrinhas Alice, Madalena e Luzia, pouco mais novos que o tio Manuel. Bom relacionamento apesar de ideias políticas muito opostas. Gostavam de discutir política e os desenvolvimentos da 2ª Guerra Mundial.
Foto PIDE |
- D. Helena (era o nome que a Maria Machado usava naquela casa clandestina e que alugáramos com nomes falsos, já se sabe!) sente-se aqui - e leu-lhe o comunicado da PIDE que vinha no jornal Diário de Notícias. Está a ver? Terroristas!! Olhe este aqui Jaime Serra, operário quer ser ministro! E este aqui, Raimundo Narciso, estudante universitário, anda enganado!
Em 1972 vários agentes da PIDE invadiram a casa dos meus pais, no Vilar. Manuel já tinha falecido há uns meses. A minha mãe vivia só e muito triste, sem saber do filho e com a filha em França. Ficou assustadíssima, os agentes da PIDE revolveram a casa e fizeram-na assinar uns papéis. Os vizinhos, depois, ainda mais a assustaram dizendo-lhe que seguramente não era a polícia mas malfeitores e os papéis que assinou não seriam a dizer que lhes tinha vendido as terras e a casa!? A minha mãe, com ingenuidade e muita coragem foi a Lisboa à sede da PIDE certificar-se e exigir explicações!
Está tudo escrito com pormenor no livro que publiquei em 2000, ARA - Acção Revolucionária Armada.